Novo ensino médio pode aumentar desigualdade, dizem ex-ministros

  • 28 Set 2016
  • 07:02h

(Foto: Reprodução)

Ex-ministros que passaram pela chefia do Ministério da Educação nos últimos anos comentaram, a pedido do G1, a medida provisória de reforma do ensino médio, publicada pelo governo Temer na semana passada. Aloizio Mercadante, Renato Janine Ribeiro e Henrique Paim demonstraram preocupação sobre como a flexibilização do currículo pode, caso não seja bem delimitada, significar que alguns estudantes tenham, na prática, mais opções que outros, o que aumentaria a desigualdade educacional no Brasil.Mercadante foi o último ministro da Educação da ex-presidente Dilma Rousseff. Ele esteve à frente do MEC em dois períodos: entre 2012 e o início de 2014, e entre setembro de 2015 e o início de maio de 2016, quando o então presidente em exercício, Michel Temer, anunciou o nome de Mendonça Filho para ocupar o cargo. Janine, professor de ética e filosofia da Universidade de São Paulo (USP), foi ministro da Educação durante cinco meses – ele assumiu a pasta em abrilde 2015.

 Foi durante sua gestão que o governo federal anunciou a primeira versão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o documento sobre o qual as escolas e redes de ensino elaborarão seus currículos. Henrique Paim, que assumiu a chefia do ministério em janeiro de 2014 e permaneceu no cargo até o fim do mesmo ano, é o ex-ministro que passou mais tempo atuando dentro do MEC nos últimos anos: entre 2004 e 2006, foi presidente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e, entre 2006 e 2014, ocupou o cargo de secretário-executivo do ministério. Entre as gestões de Paim e Janine, o cargo de ministro da Educação foi ocupado por Cid Gomes, que permaneceu durante menos de três meses à frente da pasta.

Preocupação com a desigualdade
Os três ex-ministros afirmaram que parte das mudanças incluídas na medida provisória de 23 de setembro contempla discussões que já eram feitas há anos dentro do Ministério da Educação, e também na sociedade. A flexibilização do currículo é um dos exemplos. Porém, os três afirmaram que as mudanças só podem ser implementadas se professores e estudantes forem incluídos no debate. Eles também afirmaram que o texto da medida pode dar margem ao desenvolvimento de currículos muito distintos entre os estados e, assim, falhar na redução da desiguladade educacional. "Ainda não pude estudar tudo, mas em alguns pontos dá para ter uma posição", afirmou Janine ao G1. "No discurso público que está sendo dito, o aluno é quem vai escolher [o itinerário formativo]. Mas, na prática, a escola só precisa oferecer uma ou duas opções. Então, se o estudante morar em São Paulo, talvez ele tenha todas as opções. Mas é possível que ele tenha que mudar de escola para fazer isso. Se morar no Ipiranga, talvez tenha que ir para uma escola na Vila Mariana. Não é tão fácil assim. Mas, se morar em cidade pequena, ele não pode escolher. Então está sendo dita uma coisa, que o aluno poderá escolher a sua opção, mas ele vai escolher a opção detro do leque que a rede oferecer. Se uma rede escolher oferecer um leque enxuto, ele não tem opção. Porque são as redes estaduais que vão calibrar isso." Para Paim, reformar o currículo passa por garantir que todos os estudantes brasileiros tenham acesso ao mesmo conteúdo básico para que tenham uma mínima formação de qualidade. "Toda a discussão da Base Nacional Comum, e eu tive a oportunidade de fazer esse debate também, envolve uma preocupação em reduzir a desigualdade do país. Na medida em que tenho que definir o que o estudante tem que aprender a cada final de ano em que ele vai frequentar na escola, seja na educação infantil, no ensino fundamental ou no ensino médio, eu consigo fazer com que aqueles estados que têm mais dificuldade de elaborar um currículo, fazer essa discussão mais aprofundada, estar envolvendo toda a comunidade educacional, tenham a oportunidade de estabelecer uma meta, uma diretriz pra sua rede e suas escolas." Ele explicou que, caso as redes fiquem livres para decidir o que fazer com metade da cara horária do ensino médio, isso pode dar margem para que as redes de ensino mais frágeis fiquem ainda mais defasadas. "Se nós não fizermos um processo de alteração do ensino médio que possa ter uma atenção especial para esses estados que têm mais fragilidade, que têm mais dificuldade de desempenho, e sem também um programa de formação de professores, podemos ter tendência de redução de conteúdo justamente para as pessoas que precisam mais, que precisam ter uma melhor formação", afirmou Paim. Aloizio Mercadante, que se pronunciou sobre a medida provisória em um comunicado divulgado para a imprensa, afirmou que "a oferta de itinerários alternativos e a eleição de disciplinas opcionais pelo estudante, sem a fixação do que deve ser oferecido a todos como dever do estado, vai legalizar a desigualdade de oportunidades de aprender". O ministro disse que o texto, do jeito que foi publicado, representa "revestir com a norma legal a desigualdade de oportunidades de aprendizagem, o que, na pratica, atinge todos os brasileiros, especialmente, os mais pobres", e afirmou ainda que "a MP fala em dialogar com o interesse dos estudantes, nada mais consensual. Porém, delega as secretarias estaduais de educação, que possuem condições extremamente heterogêneas, a completa liberdade para definir os itinerários formativos e as disciplinas optativas. Essa medida representa o risco concreto de um verdadeiro apartheid escolar no Brasil".