'Cassar meu mandato é como me submeter à pena de morte', diz Dilma em depoimento de defesa no Senado; leia na íntegra

  • 29 Ago 2016
  • 11:22h

(Foto: Reprodução)

Acompanhada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), Dilma Roussef  foi até o plenário do Senado, onde iniciou seu depoimento de defesa por volta das 10h. Dilma Rousseff foi recebida pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, que comandou julgamento do impeachment e deu abertura à sessão de oitivia. Dilma não foi obrigada a responder à todas as perguntas. Dos 81 senadores, 78 se inscreveram para questioná-la durante o interrogatório. Após o depoimento, por conta de aplausos e vaias, a sessão teve de ser suspensa por Lewandowski por alguns segundos. "É um julgamento, não é um debate político. Sendo um julgamento, é preciso que mantenhamos a liturgia desse ato processual". Dilma é alvo de um processo de impeachment, por ter editado, em 2015, decretos de crédito suplementar sem autorização do Congresso e também de usar dinheiro de bancos federais em programas do Tesouro [as chamadas pedaladas fiscais]. A petista foi afastada da Presidência da República pelo Senado há mais de 100 dias. Dilma ressaltou, durante depoimento, que foi ao Senado "olhar diretamente nos olhos" dos que a julgarão. "Sei que, em breve, e mais uma vez na vida, serei julgada. E por ter minha consciência absolutamente tranquila em relação ao que eu fiz, venho pessoalmente à presença dos que me julgarão", afirmou. A petista negou ter cometido crimes dos quais é acusada, segundo ela, “injusta e arbitrariamente”. Hoje, o Brasil, o mundo e a história nos observam. E aguardam o desfecho desse processo de impeachment", disse. "Jamais atentaria contra o que acredito, ou praticaria atos contrários aos interesses daqueles que me elegeram", disse a petista, visivelmente emocionada, com a voz embargada por várias vezes. Dilma disse que se aproximou do povo e, também, ouviu críticas duras a seu governo.

Veja depoimento de Dilma no Senado na íntegra:

No dia 1º de janeiro de 2015 assumi meu segundo mandato à Presidência. Fui eleita por mais 54 milhões de votos. Na minha posse, assumi o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição. Respeitei o compromisso e me orgulho disso. Sempre acreditei na democracia e no Estado de direito, e vi na Constituição de 1988 uma das grandes conquistas do nosso povo. Jamais atentaria contra o que acredito ou praticaria atos contrários aos interesses daqueles que me elegeram. Entre os meus defeitos não está a deslealdade e a covardia. Não traio compromissos, princípios e os que lutam ao meu lado. Não mudei de lado. Apesar de receber o peso da injustiça nos meus ombros, continuei lutando. Resisti à tempestade de terror que começava a me engolir, na escuridão dos tempos amargos em que o país vivia. Lutei por um Brasil soberano, mais igual e onde houvesse justiça. Disso tenho orgulho. Quem acredita, luta. Na luta contra a ditadura, recebi no meu corpo as marcas da tortura. Amarguei por anos o sofrimento da prisão. Aos quase 70 anos de idade, não seria agora, após ser mãe e avó, que abdicaria dos princípios que sempre me guiaram.

Tenho sido intransigente na defesa da honestidade na gestão da coisa pública. Exercendo a Presidência da República tenho honrado o compromisso com o meu país, com a Democracia, com o Estado de Direito. Diante das acusações contra mim dirigidas, não posso deixar de sentir o gosto áspero e amargo da injustiça e do arbítrio. E por isso, como no passado, resisto. Não esperem de mim o obsequioso silêncio dos covardes. No passado, com armas, e hoje, com retórica jurídica, pretendem novamente atentar contra a democracia e o Estado do Direito. Se alguns rasgam seu passado e negociam as benesses do presente, que respondam perante sua consciência e perante a história. A mim cabe lamentar pelo que foram e pelo que se tornaram. E resistir. Resistir sempre. Resistir para acordar consciências ainda adormecidas para que, juntos, finquemos o pé no terreno q está do lado certo da história.

Não luto pelo meu mandato por vaidade ou por apego ao poder, como é próprio dos que não tem caráter, princípios ou utopias. Luto pela democracia, pela verdade e pela justiça. Luto pelo povo do meu País, pelo seu bem-estar. O mais importante é que posso olhar para mim e ver a face de alguém que, marcada pelo tempo, tem forças para defender seus direitos. Por ter a consciência tranquila em relação ao que fiz na Presidência que venho pessoalmente à presença dos que me julgarão. Venho para olhar nos olhos de Vossas Excelências, e dizer que não cometi crime de responsabilidade.

Hoje o Brasil, o mundo e a história nos observam e aguardam o desfecho deste processo de impeachment. As provas deixam claro que as acusações contra mim dirigidas não passam de pretextos, embasados por frágil retórica jurídica. São pretextos para derrubar, por meio de um processo de impeachment sem crime de responsabilidade, um governo legítimo. O governo de uma mulher que ousou ganhar duas eleições presidenciais. São pretextos para viabilizar um golpe na Constituição. O que está em jogo no impeachment não é apenas o meu mandato. É o 
respeito às urnas, à vontade do povo e à Constituição. O que está em jogo são as conquistas dos últimos 13 anos: os ganhos da população, das pessoas mais pobres e da classe média. O que está em jogo é a conquista da estabilidade, que busca o equilíbrio fiscal mas não abre mão de programas sociais. O que está em jogo é o futuro do país, a oportunidade e a esperança de avançar sempre mais.

Nas eleições, o programa de governo vencedor não foi este agora desenhado pelo governo interino e defendido pelos acusadores. O que pretende o governo interino, se transmudado em efetivo, é um verdadeiro ataque às conquistas dos últimos anos. A ameaça mais assustadora é congelar por inacreditáveis 20 anos as despesas com saúde, educação, saneamento e habitação. A verdade é que o resultado eleitoral de 2014 foi um rude golpe em setores da elite conservadora brasileira. Como é próprio das elites autoritárias, não viam na vontade do povo o elemento legitimador. Queriam o poder a qualquer preço. Não se procurou discutir e aprovar a melhor proposta para o País. O que se pretendeu foi a afirmação do 'quanto pior melhor'. Nesse ambiente de turbulências, o risco político acabou sendo um elemento central para aprofundamento da crise econômica. Sem essas ações, o Brasil certamente estaria hoje em uma situação melhor na política, economia e fiscal.

Muitos articularam e votaram contra propostas que durante toda a vida defenderam, sem pensar nas consequências. Queriam aproveitar a crise porque sabiam que, assim que governo viesse a superá-la, sua aspiração de poder haveria de ficar sepultada.

Outra poderosa força política se agregou: dos que queriam evitar 'sangria' da classe política, motivada por investigações. É notório que durante o meu governo foram dadas todas as condições para que estas investigações fossem realizadas. Contrariei interesses. Por isso, paguei e pago um elevado preço pessoal pela postura que tive. Arquitetaram minha destituição, independentemente da existência de fatos que pudessem justificá-la perante a nossa Constituição. Articularam e viabilizaram a perda da maioria parlamentar. Todos sabem que este impeachment foi aberto por chantagem explícita.

Nunca aceitei na minha vida ameaças ou chantagens. Se não o fiz antes, não o faria na condição de Presidenta. Se eu tivesse me acumpliciado com o que há de pior na política eu não correria o risco de ser condenada injustamente. Quem se acumplicia ao imoral e ao ilícito, não tem respeitabilidade para governar o Brasil. Quem age para poupar ou adiar o julgamento de uma pessoa que é acusada de desviar milhões de reais dos cofres públicos. Cedo ou tarde, acabará pagando perante a sociedade e a história o preço do seu descompromisso com a ética.

Serei julgada por crimes que não cometi, antes do julgamento daquele que é acusado de ter praticado gravíssimos atos ilícitos. Ironia da história? Não. Trata-se de ação deliberada que conta com o silêncio cúmplice de setores da grande mídia brasileira. Estamos a um passo de uma grave ruptura institucional. Estamos a um passo da concretização de um verdadeiro golpe de Estado. Fazem questão de ignorar que realizamos, em 2015, o maior contingenciamento de nossa história. Ao editar decretos de crédito suplementar, agi em conformidade com a legislação vigente. O Congresso não foi desrespeitado.

Querem me condenar por ter assinado decretos que atendiam demandas de diversos órgãos, inclusive do próprio Poder Judiciário? A Presidenta não pratica ato em relação ao Plano Safra. Parece óbvio que não seja acusada por ato inexistente.

Este processo está marcado por clamoroso desvio de poder, que explica absoluta fragilidade das acusações dirigidas contra mim. Jamais haverá justiça na minha condenação. Forma só não basta. É necessário que o conteúdo da sentença seja justo. E no caso, jamais haverá justiça na minha condenação. Não há respeito ao devido processo legal quando a opinião condenatória de julgadores é divulgada e registrada pela imprensa. Não há respeito ao devido processo legal quando julgadores afirmam que a condenação não passa de uma questão de tempo. Me perguntaram porque eu não renunciava. Jamais o faria porque tenho compromisso inarredável com o Estado Democrático de Direito. Jamais o faria porque nunca renuncio à luta. Traição, agressões e preconceito assombraram. Mas foram sempre superados pela solidariedade e disposição de luta de milhões. 

As mulheres têm sido um esteio fundamental para minha resistência. Me cobriram de flores e me protegeram com sua solidariedade. Bravas mulheres brasileiras, que tenho a honra e o dever de representar como a 1ª presidenta da República. Chego comprometida com realização de demanda da maioria dos brasileiros: convocá-los a decidir sobre o futuro de nosso País. Diálogo, participação e voto direto e livre são as melhores armas que temos para a preservação da democracia. Confio que as senhoras senadoras e os senhores senadores farão justiça. 

Tenho a consciência tranquila. As acusações dirigidas contra mim são injustas. Cassar em definitivo meu mandato é como me submeter à pena de morte política. Este é o segundo julgamento a que sou submetida em que a democracia tem assento, junto comigo, no banco dos réus. Na 1ª vez, fui condenada por um tribunal de exceção. Daquela época, ficou o registro da minha presença diante de meus algozes. No momento em que eu os olhava de cabeça erguida enquanto eles escondiam os rostos, com medo de serem julgados pela história. Hoje, não há prisão ilegal, meus julgadores chegaram aqui pelo mesmo voto popular que me conduziu à Presidência. Tenho por todos o maior respeito, mas continuo de cabeça erguida, olhando nos olhos dos meus julgadores.

Sofro de novo com o sentimento de injustiça e o receio de que, mais uma vez, a democracia seja condenada junto comigo. E não tenho dúvida que, também desta vez, todos nós seremos julgados pela história. Faço um apelo final a todos os senadores: não aceitem um golpe que, em vez de solucionar, agravará a crise brasileira. Peço que façam justiça a uma presidenta honesta, que jamais cometeu ato ilegal, na vida pessoal ou funções públicas que exerceu. Peço: votem contra o impeachment. Votem pela democracia.